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BVS Hanseníase do Instituto Lauro de Souza Lima – SES/SP, realiza estudo de usuário visando atualização do portal

O Instituto Lauro de Souza Lima em parceria com a BIREME/OPAS/OMS está iniciando o projeto de renovação do portal da Biblioteca Virtual em Saúde Hanseníase. A etapa inicial desse projeto inclui a realização de um Estudo de Usuários, que tem o objetivo de visualizar os pontos fortes e fracos de uma biblioteca e o grau de satisfação e necessidades dos seus usuários.
O público alvo são pesquisadores, alunos de graduação e pós graduação, médicos, docentes, gestores públicos e outros profissionais da saúde que atuem ou desenvolvam pesquisa na área da Hanseníase.
O questionário estará aberto de 22 à 30 de agosto de 2019 através do link https://forms.gle/L45sfiYTA3wsranu6.

 

Instituto Lauro de Souza Lima, 23/08/2019.

 

Instituto “Lauro de Souza Lima”
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Quando a ciência molda ações

Parte significativa dos políticos no Brasil tende a rever suas opiniões quando exposta a evidências obtidas por meio de estudos científicos. Eles também estão dispostos a incorporar o conhecimento produzido por esses trabalhos em seu repertório teórico, aplicando-o na formulação ou no aprimoramento de políticas públicas. As conclusões se baseiam em análises realizadas por um grupo internacional de pesquisadores, entre eles a economista brasileira Diana Moreira. Em um trabalho publicado em fins de junho no repositório do National Bureau of Economic Research (NBER), eles avaliaram o interesse de prefeitos e autoridades de várias cidades brasileiras pelo conhecimento produzido por estudos acadêmicos sobre a eficácia de políticas públicas, como eles consumiam esse tipo de informação e até que ponto se valiam de tais resultados para respaldar decisões ou balizar a implementação de estratégias setoriais. “Um dos principais resultados do nosso estudo é que esses líderes políticos querem usar as evidências obtidas em estudos no processo de tomada de decisão, desde que os trabalhos envolvam grandes amostras”, destaca Moreira, que concluiu seu doutorado na Universidade Harvard em 2017 com uma tese sobre governança na área de educação e hoje é professora assistente do Departamento de Economia da Universidade da Califórnia em Davis, nos Estados Unidos.

Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores avaliaram a percepção e a receptividade de prefeitos, vice-prefeitos e secretários municipais de 2.150 cidades brasileiras acerca de dados sobre a eficácia de políticas públicas. O levantamento foi realizado durante duas reuniões promovidas pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), em Brasília, em maio de 2017 e 2018. A escolha dos prefeitos para analisar o impacto do conhecimento científico foi proposital. Moreira explica que o sistema adotado nos municípios brasileiros é considerado ideal para esse tipo de estudo, uma vez que o papel desempenhado pelos prefeitos tende a ser análogo ao de chefes de Estado de muitos países. “Eles são eleitos diretamente pelo povo e individualmente podem exercer um poder considerável nas decisões políticas das cidades que administram”, destaca a economista. “E, como acontece em muitos países, os administradores locais costumam ter dificuldade para acessar informações resultantes de projetos de pesquisas.”

Os pesquisadores dividiram o estudo em duas partes. Em um primeiro momento, apresentaram aos políticos reunidos no evento da CNM algumas estratégias de promoção do desenvolvimento infantil por meio de estímulo e brincadeiras desempenhadas por adultos com crianças de até 6 anos. Para que os políticos compreendessem melhor essas estratégias, a equipe lhes apresentou o programa brasileiro Criança Feliz, implementado em 2016 pelo governo federal e que prevê visitas domiciliares de professores e profissionais da saúde com o objetivo de promover o desenvolvimento de crianças em seus primeiros anos de vida, articulando essas atividades com ações de saúde, educação e assistência social.

Os políticos em seguida tinham de responder a um questionário eletrônico em que manifestavam impressões e expectativas em relação aos impactos que esses programas poderiam ter caso fossem implementados em seus municípios. Os pesquisadores depois lhes apresentaram alguns estudos, selecionados aleatoriamente, que analisavam a aplicação e a eficácia dessas estratégias de promoção do desenvolvimento infantil em diferentes países no mundo. Os políticos, no entanto, não tinham acesso aos resultados dos trabalhos. “Destacávamos apenas o local em que os estudos haviam sido desenvolvidos e a amostra avaliada por cada um deles”, explica Moreira. O objetivo, segundo ela, era determinar quais estudos despertavam mais curiosidade nos participantes em saber os resultados.

Por meio de um método comum de avaliação econômica e social de políticas públicas, avaliou-se a demanda dos políticos para conhecer os resultados dos estudos. Os pesquisadores distribuíram para cada prefeito ou secretário 100 bilhetes, cada bilhete com uma chance de ganhar uma viagem para visitar a Universidade Harvard e participar de atividades relacionadas à situação político-econômica do Brasil. Em uma situação hipotética, os participantes podiam guardar seus bilhetes para o sorteio ou usar alguns, ou todos eles, para serem informados sobre os resultados dos estudos pelos quais mais se interessavam. Verificou-se que os políticos se mostravam dispostos a pagar, em média, 45 tíquetes para conhecer as conclusões dos estudos. No entanto, eles se dispunham a pagar ainda mais quando as pesquisas haviam sido feitas com grandes amostras, demonstrando pouco interesse pelos resultados de trabalhos baseados em amostras pequenas ou feitos em países com nível de renda parecida com a do Brasil. “Esses dados indicam que os líderes políticos são capazes de processar as informações desses estudos desde que seus resultados sejam apresentados de modo descomplicado”, afirmam os autores.

Em um segundo experimento, realizado com uma amostra de 1.818 prefeitos, os pesquisadores avaliaram em que medida a apresentação de evidências científicas envolvendo a implementação de determinada política pública exerceria alguma influência nas decisões de administradores em relação à aplicação de estratégias semelhantes em seus municípios. Para isso, a equipe organizou uma sessão paralela ao evento realizado pela CNM, na qual apresentou aos participantes estudos científicos tratando dos impactos do envio de cartas de advertência aos contribuintes para lembrá-los de quitar seus débitos fiscais. “Escolhemos essa política pública porque seu impacto é bem documentado em muitas pesquisas e porque ela tende a ser barata e fácil de implementar”, diz Moreira.

Os participantes podiam escolher participar ou não das apresentações. “Curiosamente, os prefeitos que mais compareceram eram os mais jovens”, destaca a economista. Meses após as apresentações, os pesquisadores contataram os prefeitos que haviam participado das apresentações para saber se eles tinham adotado a política pública abordada. Constataram que a participação dos políticos nessa sessão aumentou em 10 pontos percentuais as chances de eles colocarem em prática os lembretes ao contribuinte em seus municípios.

Moreira reconhece que os resultados obtidos em seu estudo poderiam ter sido diferentes caso as políticas públicas abordadas tratassem de temas mais complexos, polêmicos ou com grande potencial de impacto econômico e político. Administradores públicos têm opiniões prévias mais arraigadas em relação a certas políticas e isso pode dificultar a incorporação de evidências científicas que apontam para outro sentido.

Sociedades com instituições políticas pluralistas costumam tomar decisões mais balanceadas e qualificadas

Temas complexos
A cientista política Flavia Donadelli, professora de gestão pública e assessoria política na Universidade Victoria de Wellington, na Nova Zelândia, que não participou do estudo publicado no NBER, conta que os políticos brasileiros são pouco permeáveis a mudanças de opinião em relação, por exemplo, a políticas ambientais. “Muitos políticos do Congresso Nacional, pelo menos nos casos que estudei, valorizavam pouco informações científicas e baseavam suas decisões em interesses econômicos ligados a setores específicos, como o agronegócio”, destaca.

Donadelli analisou a tramitação de três alterações na regulamentação ambiental no Congresso brasileiro entre 2005 e 2015: o código florestal, a lei de acesso a recursos genéticos e a regulamentação de pesticidas. A análise se deu à época em que a pesquisadora fazia seu doutorado na London School of Economics and Political Science, em Londres, Reino Unido. Sua pesquisa tomou como base atas, relatórios, documentos produzidos pelas comissões e textos aprovados e sancionados pelos parlamentares. Ela constatou que, apesar da participação ativa da comunidade científica em audiências públicas com deputados e senadores, a influência das evidências apresentadas foi mínima. “A ciência nesse caso contribuiu pouco para o aprimoramento de políticas ambientais brasileiras”, afirma a pesquisadora.

Donadelli destaca que estimar a relevância da ciência na definição de políticas públicas é uma tarefa bastante complexa. “Existem diversos outros fatores que podem influenciar tanto na incorporação do conhecimento pelos parlamentares quanto na articulação política para o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas”, explica. Frequentemente, ela diz, o impacto se restringe apenas ao uso de argumentos científicos em debates públicos.

O cientista político Felipe Gonçalves Brasil, pesquisador em estágio de pós-doutorado no Departamento de Governo da Universidade do Texas, em Austin, nos Estados Unidos, concorda com Donadelli. “A simples apresentação de evidências científicas consistentes aos políticos não significa que elas serão incorporadas a determinada política pública”, afirma o pesquisador, integrante do Laboratório de Estudos sobre a Agenda Governamental no Brasil. “Isso porque as relações políticas costumam ser permeadas por conflitos partidários, convicções ideológicas, influência de interesses privados e disponibilidade orçamentária.”

Também em muitos casos os políticos, mesmo concordando com as evidências apresentadas, optam pelo caminho contrário, temendo perder apoio de sua base eleitoral ou grupos econômicos. No entanto, Felipe Brasil destaca que o estudo publicado no NBER é importante por desenvolver uma metodologia capaz de permitir aos pesquisadores identificar padrões e isolar variáveis, a fim de desenvolver estratégias capazes de ampliar a influência da ciência no processo de tomada de decisão.

Se não é viável alcançar todas as variáveis, é possível fazer bem a lição de casa em algumas delas, como tornar o conhecimento científico mais acessível aos parlamentares. Uma estratégia possível nesse sentido, segundo o cientista político, seria investir mais em escolas de governo, instituições públicas criadas para promover a formação, o aperfeiçoamento e a profissionalização de agentes públicos. “Outra possibilidade seria ampliar ações coordenadas envolvendo representantes públicos e setores do universo acadêmico”, ele diz.

Isso pode ajudar a tornar as instituições políticas mais inclusivas e a fazer com que os processos de consulta a fontes que apresentem evidências contraditórias sejam incorporados nas decisões de maneira mais efetiva. “Sociedades com instituições políticas pluralistas tendem a tomar decisões mais balanceadas e qualificadas, envolvendo mais atores no processo de tomada de decisão”, destaca Donadelli. “Ao mesmo tempo, informações técnicas, dados científicos e pesquisas de impacto fornecem subsídios para discussões mais consistentes”, completa a cientista política.

Observatório de tendências
Projeto analisa prioridades de diferentes governos em relação à agenda de políticas públicas

Pesquisadores de diversos países trabalham juntos para montar um banco de dados que permita mapear e analisar a atenção de governos a políticas setoriais e os principais atores envolvidos na construção de agendas e formulação de políticas públicas. O Comparative Agendas Project (CAP) reúne mais de 20 países, entre eles o Brasil, único da América Latina a integrar a iniciativa por meio do Laboratório de Estudos sobre a Agenda Governamental no Brasil.

Criado em 2015, o projeto brasileiro é coordenado pela socióloga Ana Cláudia Niedhardt Capella, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, e pelo cientista político Felipe Gonçalves Brasil, atualmente pesquisador em estágio de pós-doutorado no Departamento de Governo da Universidade do Texas, em Austin, nos Estados Unidos.

A construção desse banco de dados é feita por meio do levantamento de Mensagens ao Congresso Nacional, leis aprovadas, medidas provisórias, emendas constitucionais, discursos de posse e pesquisas de opinião pública. “Os documentos são coletados e depois tratados a partir de um processo de codificação, aplicado para padronizar os dados e apontar o nível de atenção dos governos para diversos setores”, explica Felipe Brasil. “Desse modo é possível estabelecer análises comparadas entre os países”, destaca o pesquisador.

Em um estudo ainda em andamento eles tentam identificar variáveis comuns nos discursos dos presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, do Brasil. “A análise comparada dos discursos dos dois evidencia um foco exacerbado em temas gerais e não relacionados a políticas públicas”, diz. “Os discursos raramente abordam soluções para problemas reais e muitas vezes têm como foco questões como família, religião e costumes.”

Segundo o pesquisador, esse esforço de levantamento e análise de dados é importante para a compreensão do processo de produção de políticas públicas no Brasil. “Os resultados nos permitirão entender as especificidades do processo de produção e padrões de mudança de políticas públicas no país em relação ao mundo.”

Projetos
1. Agenda governamental brasileira: Mapeamento e análise do período 1995-2014 (nº 18/16289-3); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Ana Cláudia Niedhardt Capella (Unesp); Investimento R$ 21.175,00.
2. Abordagens teóricas e metodológicas para o estudo da dinâmica das políticas públicas: O Brasil na perspectiva do Comparative Agendas Project (nº 18/11032-4); Modalidade Bolsas de Pós-doutorado; Pesquisadora responsável Ana Cláudia Niedhardt Capella (Unesp); Bolsista Felipe Brasil (Unesp); Investimento R$ 244.959,33.

Republicar

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

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Risco de morte por febre amarela pode ser identificado mais cedo

Peter Moon  |  Agência FAPESP – De cada 100 pessoas que são picadas por mosquitos infectados com o vírus da febre amarela, cerca de 10% desenvolverão sintomas da doença. Embora a maioria dos infectados com o vírus da febre amarela não desenvolva a doença, cerca de 40% dos que apresentam sintomas acabam morrendo.

A febre amarela vem sendo estudada há mais de um século, sendo que existe uma vacina bastante eficaz desde 1938. Apesar disso, ainda não se conheciam os sintomas preditivos específicos que pudessem ser utilizados pelos médicos de modo a estabelecer um prognóstico do grau de severidade da evolução da doença para cada paciente.

“Muitos pacientes que dão entrada no sistema de saúde com diagnóstico de febre amarela ainda não estão muito doentes. Vários chegam caminhando ao hospital, mas o que se observa nos dias seguintes é um quadro de piora acentuada, que muitas vezes leva ao óbito”, disse Esper Kallás, professor titular do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

“Ainda não se conheciam vários marcadores que pudessem ser empregados pela equipe médica para avaliar o prognóstico de cada paciente, permitindo identificar quais seriam os pacientes com mais chances de evoluir para um quadro de maior gravidade e poder tratá-los de acordo com tal prognóstico, elevando as chances de tratamento e cura”, disse Kallás.

Esses marcadores acabam de ser identificados e descritos em artigo na revista The Lancet Infectious Diseases. Assinam o artigo Kallás e outros 19 pesquisadores ligados à FMUSP, ao Instituto de Medicina Tropical (IMT) da FMUSP, ao Instituto de Infectologia Emílio Ribas e ao laboratório Diagnósticos da América (Dasa). O trabalho teve apoio da FAPESP por meio de projeto de pesquisa coordenado pela professora Ester Sabino, diretora do IMT e professora no Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da FMUSP.

O objetivo do estudo foi identificar os preditores de morte medidos na admissão hospitalar em um conjunto de pacientes internados no Hospital das Clínicas da FMUSP e no Instituto de Infectologia Emílio Ribas durante o surto de febre amarela de 2018 na periferia da cidade de São Paulo.

Entre 11 de janeiro e 10 de maio de 2018, 118 pacientes com suspeita de febre amarela foram internados no Hospital das Clínicas e outros 113 pacientes no Emílio Ribas.

Após uma triagem para a confirmação do diagnóstico, o estudo foi resumido a 76 pacientes (68 homens e 8 mulheres) com infecção confirmada pelo vírus da febre amarela, com base no RNA do vírus da febre amarela detectável no sangue (74 pacientes) ou no vírus da febre amarela confirmado apenas no laudo da autópsia (dois pacientes). Dos 76 pacientes, 27 (36%) morreram durante o período de 60 dias após a internação hospitalar.

“A infecção da febre amarela foi confirmada pela técnica de PCR [reação em cadeia da polimerase] em tempo real no sangue coletado na admissão ou em tecidos na autópsia. Sequenciamos o genoma completo do vírus da febre amarela de indivíduos infectados e avaliamos os achados demográficos, clínicos e laboratoriais na admissão. Investigamos se qualquer uma dessas medidas se correlacionava com o óbito do paciente”, disse Kallás.

Marcadores da doença

Os pesquisadores identificaram que a febre amarela tende a ser mais grave quanto mais velho é o paciente. “Trata-se de um aspecto intuitivo. Faz sentido que os idosos sofram mais e tendam a ter um desfecho pior. Quanto mais velho o paciente, maiores são as chances de o quadro piorar”, disse Kallás.

A contagem de neutrófilos elevada, o aumento da enzima hepática AST (aspartato aminotransaminase) e a maior carga viral também estão associados ao risco de morte. Neutrófilos (ou leucócitos polimorfonucleares) são as células sanguíneas que fazem parte essencial do sistema imune inato.

Todos os 11 pacientes com contagem de neutrófilos igual ou superior a 4.000 células/ml e carga viral igual ou superior a 5.1 log10 cópias/ml (ou seja, aproximadamente 125 mil cópias do vírus por mililitro de sangue) morreram, em comparação com apenas três mortes entre os 27 pacientes com contagens de neutrófilos menor que 4.000 células/ml e cargas virais de menos de 5.1 log10 cópias/ml (menos de 125 mil cópias/ml).

“O organismo pode estar tentando combater alguma outra coisa que não é o vírus da febre amarela. Nossa hipótese é que a multiplicação do vírus nas células do intestino possa estar permitindo a passagem de bactérias que vivem no intestino para a corrente sanguínea. Essa poderia ser a razão para o acionamento do sistema imune e o aumento na produção de neutrófilos. Outra possibilidade é que, no doente, a resposta imune estaria desequilibrada, o que faria a pessoa piorar”, disse Kallás.

Outro marcador de severidade é o aumento da carga viral no sangue dos pacientes.

“Assim como ocorre com a idade avançada, parece lógico pensar que quanto maior for a quantidade de vírus no sangue, pior será o prognóstico do paciente. Mas é a primeira vez que alguém descreveu isso em um estudo”, disse Kallás.

Por outro lado, os pesquisadores constataram que a coloração amarelada na pele dos doentes, tão característica que está no nome da doença, não é um marcador de severidade no momento da entrada do paciente no hospital.

“A coloração amarelada, consequência da destruição das células do fígado pelo vírus, só aparece em casos de piora avançada. Em nosso estudo, nenhum dos pacientes que veio a óbito chegou ao hospital ostentando coloração amarelada”, disse Kallás.

Sabino destaca que o estudo representa um avanço muito importante, ao permitir que, “no caso de um surto de febre amarela como o que ocorre atualmente no Brasil, o pior em décadas, médicos realizam a triagem de pacientes no momento de entrada nos serviços de saúde, identificando aqueles pacientes que potencialmente poderão evoluir para casos mais severos. Com a antecipação nas internações em unidades de terapia intensiva, aumentam-se as chances de sobrevivência”. 

Diagnóstico precoce

Após décadas de pesquisa da febre amarela, não havia até agora marcadores associados ao risco de morte dos pacientes em um ambiente com maiores recursos de assistência à saúde.

“As grandes epidemias de febre amarela que ocorreram em países com maior grau de desenvolvimento e, portanto, com melhores meios médico-científicos para identificar tais marcadores, aconteceram há décadas, praticamente todas antes do desenvolvimento da vacina, que começou a ser testada há 80 anos, antes da Segunda Guerra Mundial”, disse Kallás.

Em 2017, quando do início do surto recente de febre amarela no Brasil, Kallás, Sabino e colaboradores realizavam um trabalho de acompanhamento dos pacientes com dengue, chikungunya e zika, na tentativa de prever a transmissão e a distribuição no Brasil daquelas doenças igualmente provocadas por arbovírus, os vírus que são transmitidos aos humanos através da picada de insetos, como os mosquitos.

“Quando surgiram os primeiros sinais do surto de febre amarela, rapidamente percebemos que nos encontrávamos em condições ideais para acrescentar a febre amarela ao foco das nossas investigações, com vistas a detectar os fatores preditivos da severidade da doença. A colaboração entre o Instituto de Infectologia Emílio Ribas e o Hospital das Clínicas da FMUSP foi fundamental para fazer esta contribuição”, disse Kallás.

A identificação de marcadores prognósticos em pacientes pode ajudar os médicos a priorizar a internação na unidade de terapia intensiva, pois o estado geral dos pacientes deteriora rapidamente.

“Coloque-se no lugar de um médico que examina um paciente diagnosticado com febre amarela e que acaba de ser internado. Não se sabia qual seria o prognóstico mais provável daquele paciente. O que se verificaria seria uma piora muito acentuada e rápida, ou não. Nosso trabalho ajudará a entender o que ocorre com os pacientes. Aqueles que contarem com todos os marcadores de severidade no momento da internação serão os que terão mais risco de morrer. Logo, será possível aos médicos estabelecer prioridades, enviando tais pacientes mais precocemente à terapia intensiva”, disse Kallás.

Ao mesmo tempo, a alocação de recursos seria melhorada para priorizar exames laboratoriais mais úteis para determinar se um paciente poderia ter um resultado melhor.

O artigo Predictors of mortality in patients with yellow fever: an observational cohort study (doi: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(19)30125-2), de Esper G. Kallás, Luiz Gonzaga D’Elia Zanella, Carlos Henrique V. Moreira, Renata Buccheri, Gabriela B. F. Diniz, Anna Carla P. Castiñeiras, Priscilla R. Costa, Juliana Z. C. Dias, Mariana P. Marmorato, Alice T. W. Song, Alvino Maestri, Igor C. Borges, Daniel Joelsons, Natalia B. Cerqueira, Nathália C. Santiago e Souza, Ingra Morales Claro, Ester C. Sabino, José Eduardo Levi, Vivian Avelino-Silva e Yeh-Li Ho, está publicado em: www.thelancet.com/journals/laninf/article/PIIS1473-3099(19)30125-2/fulltext.

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.