Grupo liderado por pesquisadores do Instituto Butantan e financiado pela FAPESP realiza o primeiro sequenciamento genético de serpente brasileira

André Julião | Agência FAPESP – Um grupo liderado por pesquisadores do Instituto Butantan e financiado pela FAPESP realizou o primeiro sequenciamento genético de uma serpente brasileira. O estudo, publicado na revista PNAS, sugere que a origem de nove genes que produzem as toxinas do veneno na jararaca (Bothrops jararaca) provavelmente se deu pela transformação direta de genes que, originalmente, tinham funções diferentes no ancestral da espécie.

“Com o sequenciamento do genoma da jararaca, identificamos marcadores que permitiram comparar os genes que produzem toxinas com os que estão na mesma posição em genomas de outros animais, como serpentes sem veneno, lagartos e anfíbios. Observamos que nove dos 12 tipos de genes que produzem a peçonha na jararaca eram muito parecidos com aqueles encontrados na mesma posição da sequência de DNA dessas outras espécies. Isso nos permite afirmar que a maioria dos genes de toxina provavelmente surgiu a partir de elementos que já existiam naquele local do genoma do ancestral comum a todos esses animais”, explica Inácio Junqueira de Azevedo, pesquisador do Instituto Butantan e coordenador do estudo.

Azevedo é um dos pesquisadores principais do Centro de Toxinas, Resposta-Imune e Sinalização Celular (CeTICS), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.

“Esses genes exerciam papéis fisiológicos num ancestral comum de todas essas espécies. Em algum momento, eles provavelmente começaram a apresentar uma atividade semelhante à de toxinas, foram selecionados para esse caminho e, assim, perderam a função original. Esse estudo trouxe elementos para entender a evolução das toxinas e quais foram os mecanismos que levaram alguns genes a serem recrutados para exercer essa nova função como produtores de componentes de veneno”, conta Diego Dantas Almeida, um dos autores principais do estudo, realizado durante seu doutorado, com apoio da FAPESP.

O sequenciamento mostrou ainda que dois genes que codificam importantes toxinas provavelmente se originaram a partir de duplicação. Com uma cópia realizando as funções originais do gene, é normal em qualquer organismo que a outra possa evoluir mais livremente para exercer diferentes atividades.

No caso das serpentes da família da jararaca, essas cópias devem ter sofrido alguma pressão seletiva para gerar duas famílias de toxinas que respondem pela maior parte da ação do veneno, a metaloproteinase conhecida pela sigla SVMP e a fosfolipase A2 (PLA2). Até então, acreditava-se que a maioria dos genes produtores de peçonha nas jararacas tinha se originado assim. Não foi possível determinar a origem de apenas uma das 12 famílias de genes que codificam toxinas na serpente.

“Apenas nessas duas famílias de genes produtores de toxinas conseguimos demonstrar que ainda existem genes ‘ancestrais’ não tóxicos, ainda presentes no código genético, logo ao lado das toxinas. Para as outras, os ancestrais se perderam completamente, provavelmente se transformando em geradores de toxinas”, afirma Vincent Louis Viala, coautor do estudo e ex-bolsista de pós-doutorado da FAPESP

Esforço de pesquisa

O grupo do Butantan tenta realizar o sequenciamento do genoma da jararaca desde 2013. A serpente é responsável por grande parte dos acidentes ofídicos no Brasil e, também por isso, é uma das mais estudadas. No entanto, os cientistas ainda não dispunham de informações mais fundamentais da origem do veneno, que o sequenciamento genético agora trouxe.

Mais do que conhecer os genes existentes em um organismo, descrever um genoma completo se trata de montá-lo na sequência correta. Essa é uma das partes mais complexas do trabalho, uma vez que o sequenciamento gera uma grande quantidade de informações, que precisam depois ser processadas por meio de ferramentas de computação.

Apenas nos últimos anos, após combinar diversos métodos, o grupo conseguiu obter uma montagem satisfatória do genoma, com a colaboração de pesquisadores da Ohio State University, nos Estados Unidos. O genoma agora está disponível on-line para quem quiser estudá-lo.

Outras respostas importantes foram obtidas a partir do trabalho. Em 2009, uma análise realizada por pesquisadores japoneses de alguns genes de veneno da Protobothrops flavoviridis, serpente peçonhenta da mesma família da jararaca (Viperidae), havia mostrado que o gene que produzia a toxina VEGF-F, também presente na cobra brasileira, era provavelmente resultante de uma duplicação do gene VEGF-A. O grupo brasileiro mostrou que é mais provável que ele tenha se originado de outra família de genes, conhecida na literatura científica como “PGF-like”.

O grupo reuniu ainda mais evidências de que os peptídeos potenciadores da bradicinina (BPP), que são a base do medicamento para hipertensão arterial captopril, provavelmente têm origem no gene CNP, produtor dos chamados peptídeos natriuréticos tipo-C, presente em outros vertebrados, inclusive em humanos.

“O trabalho ilustra a necessidade de se identificar o contexto no qual os genes estão inseridos para o correto entendimento de sua origem e evolução”, diz Azevedo.

Os pesquisadores agora trabalham na obtenção de versões mais refinadas do genoma da jararaca, assim como de outras famílias de serpentes produtoras de veneno. Com isso, esperam encontrar novas moléculas de veneno e relacioná-las com proteínas de relevância na fisiologia de outros organismos.

A pesquisa também foi financiada por meio de um Projeto Temático conduzido no âmbito do Programa BIOTA-FAPESP e de um Auxílio Regular, ambos concedidos a Azevedo.

O artigo Tracking the recruitment and evolution of snake toxins using the evolutionary context provided by the Bothrops jararaca genome pode ser lido em: www.pnas.org/content/118/20/e2015159118.

 

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.