O Portal de Revistas e a Ciência Aberta

O Portal de Revistas e a Ciência Aberta

Dr. Lilian Nassi-Calò[1]

 

A iniciativa da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo de estabelecer um Portal de Revistas Científicas é de grande importância para dar visibilidade aos periódicos das instituições que integram a Biblioteca Virtual em Saúde Rede de Informação e Conhecimento (BVS RIC) e à pesquisa que publicam.

Os cinco periódicos têm características particulares que os definem e individualizam, porém guardam em comum o tema da saúde pública e epidemiologia, o que atribui a esta pequena, porém valiosa coleção, uma singular importância no cenário da saúde no Brasil e do Sistema Único de Saúde.

Criadas há 80 anos ou mais, como a Revista do Instituto Adolpho Lutz (do Instituto de mesmo nome) e a Hansenologia Internationalis (Instituto Lauro de Souza Lima), ou há 16 anos, como os Cadernos de História da Ciência (Instituto Butantan), as revistas do Portal estão indexadas em bases de dados regionais e internacionais e são reconhecidas pela qualidade dos artigos que publicam. São todas revistas de acesso aberto e isentas de taxa de publicação (article processing charge).

A meu ver, os periódicos do Portal em muito se beneficiariam ao adotar práticas de Ciência Aberta. O primeiro passo já foi dado, a adoção do acesso aberto diamante (periódico em acesso aberto livre de taxa de publicação).

Pode-se dizer que são três os pilares da ciência aberta: o acesso aberto, a avaliação por pares aberta e os dados de pesquisa abertos.

Não cabe aqui iniciar uma discussão sobre os formatos tradicionais de avaliação por pares – simples cego e duplo cego – e os motivos que levaram a comunidade científica a repensar este modelo e propor formas alternativas.[2],[3] Fato é que modelos inovadores de avaliação por pares vêm sendo adotados de forma crescente, em nome da maior celeridade, eficiência, transparência, responsabilidade e devido crédito acadêmico aos pareceristas que realizam este trabalho minucioso e especializado e, até agora, pouco reconhecido.

A avaliação por pares aberta é uma denominação que inclui inúmeras formas de “abrir” esta etapa fundamental da comunicação científica, seja revelando a identidade dos pareceristas, seja realizando avaliação pós-publicação, abrindo o teor dos pareceres, ou ainda, combinações destes métodos, conforme convier a editores, pareceristas e autores[4]. A abertura do processo permite, ademais, gerar informes[5] sobre a avaliação por pares, que até então não era possível devido ao sigilo, e ajustar disparidades.

Alterar paradigmas não é algo trivial, e requer tempo e energia. Como irão reagir editores, autores e pareceristas a mudanças na avaliação por pares em um periódico com décadas de existência é algo difícil de prever e realizar. Mas é possível dar um passo de cada vez. Um primeiro passo pode ser dado pelos periódicos ao considerar aceitar submissão de artigos postados como preprints.

Preprints são artigos completos depositados em servidores antes da avaliação por pares, para comunicar resultados de forma aberta e rápida[6]. Inúmeros periódicos brasileiros já incluem nas instruções aos autores que aceitam submissão de preprints[7]. A seguir, identificar, nos artigos publicados, o nome do editor-associado que esteve a cargo do processo editorial daquele artigo, junto com as datas de submissão e aprovação. Uma segunda etapa seria identificar, com sua anuência, o nome dos pareceristas dos artigos aprovados para publicação. E assim, sucessivamente. Estejam certos de que a mudança dos periódicos impressos para a versão digital, em acesso aberto online, também gerou incertezas, há cerca de 20 anos, que foram superadas.

O terceiro pilar se refere aos dados de pesquisa. O compartilhamento de dados baseia-se na premissa de que podem ser utilizados por outros pesquisadores, aumentando a possibilidade de obtenção de novos resultados e conhecimento científico.

Dados abertos de pesquisa podem ser livremente acessados, reusados, recalculados e redistribuídos para fins pedagógicos ou de pesquisa científica, e assim como artigos, dados abertos em formato legível por computador (machine readable) são disponibilizados em repositórios  ou servidores criados para esta finalidade ou por meio de artigos de data (data papers) [8]. Os dados estão, geralmente, associados a uma licença de atribuição, como Creative Commons, na qual o autor dos dados especifica o grau de liberdade da sua reutilização. O ideal é utilizar a licença menos restritiva possível (CC-BY), assim os dados devem ser tão abertos quanto possível e tão fechados quanto necessário.

Um número crescente de periódicos, também do Brasil, vem demandando como condição para publicar artigos, o depósito dos dados de pesquisa subjacente em repositórios ou servidores específicos. A Fiocruz[9] e o SciELO[10] já dispõem de repositórios de dados abertos, nos quais é possível depositar conjuntos de dados (data sets), bem como buscar dados de pesquisa. Assim como os artigos, os datasets, ao ser publicados, recebem um identificador digital (digital object identifier, DOI) e podem ser devidamente citados, e por estas citações, os autores recebem créditos, como ocorre com as publicações tradicionais. Neste sentido, o publisher Elsevier definiu princípios para citações de dados nos periódicos que publica[11].

Considerando a complexidade envolvida na geração, disponibilização, reutilização e citação de dados de pesquisa, foi criado em 2014 um conjunto de princípios para ditar boas práticas para gestão e depósito de dados em repositórios confiáveis denominado FAIR Data Principles[12]. FAIR, do acrônimo em inglês Findable (encontrável), Accessible (acessível), Interoperable (interoperável) e Reusable (reutilizável).

Evidentemente, não se trata de algo trivial fazer a gestão e curadoria de dados de pesquisa para prepará-los e depositá-los, de acordo com os princípios FAIR, em um repositório. No entanto, os investimentos se justificam, considerando o potencial para aprimorar sua localização, acessibilidade e reutilização. A sustentabilidade do ciclo da pesquisa científica depende da busca por formas eficientes de maximizar a reutilização dos dados, ao invés de simplesmente guardá-los de forma inacessível.

Ao criar os princípios FAIR, em 2014, seus idealizadores certamente não previam o quão importante seria o compartilhamento de dados no ano de 2020, em especial a sequência do genoma de um determinado coronavírus, que permitiu a pesquisadores dedicados criar, testar e produzir vacinas em período de tempo inimaginável.

O Portal de Revistas já ergueu um sólido pilar da Ciência Aberta, os outros dois serão construídos em breve por seus dedicados Editores e pela comunidade científica de Saúde Pública e Epidemiologia.

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[1] Coordenadora de Comunicação Científica em Saúde, BIREME/OPAS/OMS
[2] ROSS-HELLAUER, Tony. What is open peer review? A systematic review. F1000Research, Londres, v. 6, 588, abr. 2017.  Disponível em: https://doi.org/10.12688/f1000research.11369.1

[3] Ross-Hellauer, T., Deppe, A. and Schmidt, B. Survey on open peer review: Attitudes and experience amongst editors, authors and reviewers. PLoS ONE [online]. 2017, vol.12, no.12, e0189311. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0189311

[4] POLKA, Jessica K. et al. Publish peer reviews. Nature, Londres, v. 560, p. 545-547, ago. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1038/d41586-018-06032-w

[5] Publons. Global State of paper review. Londres: Publons, 2018. Disponível em: https://publons.com/community/gspr

[6] NASSI-CALÒ, L. Saiu no NY Times: Biólogos se rebelam e publicam diretamente na Internet [online]. SciELO em Perspectiva, 2016. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2016/04/07/saiu-no-ny-times-biologos-se-rebelam-e-publicam-diretamente-na-internet/

[7] PIRMEZ, C. Na rota da ciência aberta as Memórias do Instituto Oswaldo Cruz aceitam submissão de manuscritos preprints [online]. SciELO em Perspectiva, 2017. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2017/12/07/na-rota-da-ciencia-aberta-as-memorias-do-instituto-oswaldo-cruz-aceitam-submissao-de-manuscritos-preprints/

[8] KRATZ, J. E. and STRASSER, C. Making data count. Scientific Data. 2015, nº150039 http://doi.org/10.1038/sdata.2015.39

[9] Arca Fiocruz. https://www.arca.fiocruz.br/

[10] SciELO Data. https://data.scielo.org/

[11] NASSI-CALÒ, L. Promovendo e acelerando o compartilhamento de dados de pesquisa. SciELO em Perspectiva, 2019. Disponível em: https://blog.scielo.org/blog/2019/06/13/promovendo-e-acelerando-o-compartilhamento-de-dados-de-pesquisa/

[12] WILKINSON, M. D. et al. The FAIR guiding principles for scientific data management and stewardship. Scientific Data, London, n. 3, 2016. Disponível em: https://www.nature.com/articles/sdata201618


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